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Já não há amores assim...

Sábado, 03.05.08
As orações de Soror Maria da Pureza (XIV)
... “Soror Maria da Pureza parecia-se com a Mariazinha, com a noiva-menina dum noivo-morto, como duas gotas de água caídas da mesma fonte, como dois raios de Sol tombados na mesma flor, mas não era ela. Não, não era ela...
  
Pelos claustros, onde se ouvia o gorgeio dum veiozinho de água que se perdia numa moita de lírios roxos abandonado, Soror Maria da Pureza sorria e falava.
As outras monjas ouviam-na, ficavam-se enlevadas a escutar: «Porque me calo?» dizia ela.
«- Avé-maria, cheia de graça... Se a minha luz te ilumina, se o meu clarão te incendeia, tu és o sol que se reflecte em mim. As minhas formas foram criadas, assim imateriais, para que revestissem um espírito onde tu és amor e adoração, como um manto de rendas sobre um vestido de prata. Quando eu passo, as flores acorrem todas à beira do caminho, recolhidas e graves, de mãos postas, a incensar-me, para que eu seja toda pureza ao aproximar-me de ti. Avé-maria, cheia de graça!»
Começou a correr com insistência no convento, entre as freiras e as educandas, que Soror Maria da Pureza compunha orações mais lindas, mais fervorosas que as orações de Santa Teresa. Todas as monjas corriam a ouvi-la quando no seu banco, onde a vinha virgem se enlaçava ao tronco carcomido duma acácia que já não dava flores, balbuciava, sorrindo, com as diáfanas mãos em cruz no peito.” ...         continua
in “As máscaras do destino” de Florbela Espanca

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publicado por Filomena às 09:51